O teatro de operações da Brigada Sul foi a região da Serra da Mantiqueira. Nas cidades de Passa Quatro, Manacá e Túnel existiam estações da Estrada de Ferro Viação Sul Mineira. Nesta época funcionava uma malha ferroviária que ligava diversas cidades mineiras, bem como fazia ponte com cidades paulistas. Para o transporte dos soldados da Força Pública de Minas foram utilizados diversos vagões..
Jésus Ventura de Carvalho, Sargento do 7º Batalhão de Infantaria da Força Pública, foi um dos militares transportados pelos vagões da Sul Mineira. Em suas memórias de campanha, relatou que passando por Passa Quatro, os soldados mineiros, famintos e cansados, receberam de “bondosas senhoras” várias broas e pães. Não foi possível saciar a todos, pois, em poucos minutos partiram para Manacá. Naquela cidade, pernoitaram no interior das composições. Jésus segue relatando que Manacá era um lugarejo que não possuía comércio, e a população havia fugido devido aos conflitos militares. A alimentação da tropa era trazida de Passa Quatro e preparada em uma cozinha de campanha.
Mesmo para quem não conhece de visu o local onde se encontra o Túnel, na Serra da Mantiqueira, não é difícil fazer idéia dos inumeráveis acidentes que o terreno apresenta: picos elevadíssimos de difícil acesso (Gomeira, Gomeirinha, Cristal e Itaguaré, dentre outros), grotas perigosas, verdadeiros abismos para operações de guerra. Era um taquaral horrível, coberto de matas e subidas indescritíveis. O soldado mineiro sofria com a chuva, com o frio, com o ar rarefeito. Ordinariamente, a condução de alimentos e munições era feita em bruacas transportadas por burros . Os soldados das trincheiras eram mal alimentados (geralmente a ração consistia em um pirão com carne cozida), pois, os homens não aguentavam conduzir muitos alimentos - nem sempre os animais tinham acesso a determinados locais.
A queixa dos soldados era sempre a mesma: “o terreno não ajudava”. Algumas trincheiras não possuíam um bom campo de tiro. Neste sentido, os “ângulo mortos” são algumas das dádivas dos terenos acidentados. Se a Serra castigava os soldados, com o clima não era diferente. Além dos resfriados e das gripes, a umidade e a garoa constante interferiam no funcionamento dos armamentos e na qualidade das munições. Afinal, não há pólvora que resista a permanente exposição à umidade. Era preciso vencer os óbices, coordenar a tropa e atuar de maneira eficiente. De uma maneira ou de outra a Serra ditou as regras do jogo.
Em função do terreno e das estratégias adotadas pelo Estado Maior da Brigada Sul, a linha de combate ficou dividida em três sub-setores: 1º) Sub-setor da frente: abrangia toda a frente do Tunel para a direita e esquerda, até as elevações das montanhas; 2º) Sub-setor da direita: compreendia: Fazenda de São Bento, Morro do Cristal-Garupa e Serra do Itaguaré; e 3º) Sub-setor da esquerda: elevações da Fazenda Gomeira e imediações.
As posições paulistas
Os paulistas realizavam uma verdadeira “guerra de trincheiras”; já os mineiros, mesclavam entre as “trincheiras” e a guerra “de movimentos”, esta última mais praticável no terreno já dominado pela Brigada Sul. Em uma “guerra de trincheiras” o soldado permanece noites e dias imobilizado, tendo que responder à fuzilaria adversária e se manter atento e vigilante quanto a possíveis incursões inimigas nas linhas sob sua guarda.
A fortificação paulista era feita de dormentes e trilhos. No centro, o abrigo para a artilharia; ao lado, outro abrigo para o PC. As trincheiras paulistas avançavam morro acima em todas as direções, dominando completamente a Serra da Mantiqueira. Eram ligadas por comunicações subterrâneas, picadas e escadinhas. Os postos avançados eram ligados por completa rede de telefone de campanha. Os paulistas não tiveram dificuldades para locomoção e subsistência. As posições paulistas apresentavam-se guarnecidas de armas automáticas, bem entrincheiradas, entretanto bastante enfraquecidas pela ação do fogo mineiro. O sistema de defesa paulista achava-se disseminado pelas elevações da Serra da Mantiqueira e nas mediações da boca do Túnel existiam diversas peças de artilharia.
Planos de ataque, artilharia e carros de assalto
Os primeiros passos da Brigada Sul, logo que chegou em Manacá, foi o reforço/substituição da tropa federal: 4º RCD e 2º Batalhão do 11º RI, que ali se encontrava a quatro dias. Posteriormente, um pelotão do 7º Batalhão da Força Pública, ocupou a Fazenda São Bento, localizada a dez quilômetros de Manacá. Tal propriedade dava acesso ao Morro do Cristal e em continuação à Serra do Itaguaré, além da boca do Túnel.
O Morro do Cristal, fica a seis quilômetros de terreno acidentado e a 1.750 metros de altitude. Somente após seis dias de exaustivo trabalho, se conseguiu acesso via picadas. Mais tarde ocorreu a ocupação da Garrupa e de outros pontos estratégicos na Serra da Mantiqueira.
A artilharia mineira ficou a cargo de uma bateria do 10º Regimento de Infantaria e duas peças do 8º R.A.M, de Pouso Alegre. Ressalta-se ainda a participação da seção de carros de assalto sob o comando do 2º Tenente Comissionado Miguel Matuck. Desses carros, dois estavam armados com metralhadoras, e o terceiro com um canhão 37, mantinha fiscalização da estrada que ia da boca do Túnel, fazendo reconhecimento até as proximidades das primeiras trincheiras paulistas.
A morte do Ten Cel Fulgêncio e as granadas paulistas
No dia 30 de julho, após treze dias de confrontos, ocorreu uma ofensiva geral das tropas paulistas, se valeram da artilharia e do fogo intenso de metralhadoras que varriam as posições mineiras. Os disparos ocorriam tanto na frente do Túnel como nos flancos direito e esquerdo - Cristal e Gomeirinha, respectivamente. Foi neste dia fatídico que a Força Pública Mineira sofreu várias baixas perdendo, dentre outros, o Tenente Coronel Fulgêncio de Souza Santos, ferido mortalmente por um projétil. Os tenentes Anastácio Rodrigues de Moura e João Luiz de Freitas também foram vítimas letais da explosão de uma granada de mão. Na frente do Túnel várias praças foram mortas e feridas em virtude de explosões de granadas que caiam no interior das trincheiras.
O raio de ação da “granada defensiva” fabricada por São Paulo é de cerca de 50 metros. Tal artefato é cópia da granada inglesa “Mills”. Em São Paulo, eram carregadas com nitrato de amônio e alumínio metálico (posteriormente substituídos por trotil). Para ser lançada à mão era um pouco pesada (700 gramas), já o lançador, a arremessava a uma distância de 20 a 24 metros. Na modalidade de lançamento por fuzil, utilizava-se o bocal-sabre, também uma invenção paulista. Com este mecanismo a granada atingia a distância de 80 a 100 metros. Ao explodir fragmentava-se em 44 estilhaços[21]. Ressalta-se que quando ocorre uma explosão, seja ela de uma granada ou de qualquer outro artefato, nem sempre são os fragmentos que causam as lesões ou óbitos. As ondas de choque, produzidas pelo escape súbito e repentido de gases do interior de um espaço limitado, são responsáveis por rompimento de tímpanos e órgãos internos.
A queda do Túnel
Durante mais de dois meses os soldados da Serra da Mantiqueira foram submetidos à dureza natural da Campanha que se traduziu: nas explosões de granadas e nas rajadas de metralhadoras - que cortavam as árvores finas; nas peculiaridades das trincheiras; nos desmoronamentos de abrigos e tocas em virtude das chuvas; na mistura entre o suor (fruto das atividades mecânicas e da ansiedade) e a garoa úmida e gelada que molhava os corpos dos combatentes; nas altas altitudes e consequente ar rarefeito; nas dificuldades de transposição do terreno com seus morros, grotas e picos; na falta de água e na alimentação deficiente (que deixava o militar “bambo de fome”[27]); por fim, nas patrulhas de exploração/ reconhecimento e no serviço de vigilância de estradas. A despeito das duras exigências poucos foram aqueles que desertaram.
Nos dias finais do confronto na Serra, os sub-setores avançavam: Gomeira, no flanco esquerdo, Garupa, no flanco direito e na frente do Túnel. Em Itagaré as tropas mineiras vinham conquistando terreno, palmo a palmo, à bala e à baioneta. O objetivo de sua conquista residia no fato de envolver os paulistas cortando-lhes a comunicação com Cruzeiro. Em todas as ofensivas os oficiais e sargentos estavam lado a lado com seus comandados, “convencendo pelas palavras e arrastando pelos exemplos”.
Na noite do dia 12 para 13 de setembro as sentinelas das posições dos flancos informaram que, na retarguarda do Túnel havia grande movimentação de tropas e composições. Às primeiras horas do dia o Comandante Lery foi informado que os paulista haviam se retirado utilizando composições e caminhões. Os últimos paulistas deixaram o Túnel abandonando veículos, munição, granadas e grande quantidade de outros objetos[28]. Após o avanço e conquista de Cruzeiro estavam encerradas as operações na região do Túnel.
Com a queda do Túnel, a Brigada Lery recebeu determinações para operar no Setor Centro, onde a Brigada Amaral reclamava reforços. Pouco tempo depois, 29 de setembro, ocorreu definitivamente a deposição das armas paulistas. Terminada a Revolução Constitucionalista, seus principais chefes civis e militares foram exilados para Lisboa.